À frente da unidade está general colocado no TSE para contestar urnas eletrônicas
Folha de São Paulo – O Comando de Defesa Cibernética do Exército adquiriu pela primeira vez uma ferramenta que permite a extração de dados de telefones celulares, de sistemas de nuvem dos aparelhos e de registros públicos armazenados em redes sociais como Twitter, Facebook e Instagram.
A contratação, feita com dispensa de licitação, foi assinada nos últimos dias de 2021. Na época, o comandante do Exército era Paulo Sérgio Nogueira, atual ministro da Defesa.
A ferramenta é normalmente utilizada por polícias civis, Polícia Federal, Instituto Nacional de Criminalística e Ministério Público como forma de acessar dados, inclusive bloqueados, de telefones celulares apreendidos a partir de decisões de busca emitidas pela Justiça.
Os documentos da contratação feita para a unidade do Exército não especificam quais aparelhos celulares passariam a ser acessados nem qual é o embasamento jurídico para esse tipo de acesso a dados privados.
A Folha questionou o Exército sobre a aquisição da ferramenta e o objetivo da compra em cinco emails enviados desde 25 de maio. Não houve resposta.
À frente do Comando de Defesa Cibernética está o general Heber Garcia Portella, o militar designado pelo Ministério da Defesa –ainda na gestão do general da reserva Walter Braga Netto– para a comissão de transparência das eleições montada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Portella passou a questionar a lisura das urnas eletrônicas, dando vazão ao discurso golpista do presidente Jair Bolsonaro (PL) em relação ao sistema eleitoral brasileiro.
Braga Netto será o vice de Bolsonaro na chapa que tentará a reeleição. O presidente aparece em segundo lugar nas pesquisas, atrás do ex-presidente Lula (PT).
“A justificativa para a aquisição de uma solução para perícia em dispositivos móveis é o histórico de demandas apresentadas ao ComDCiber [Comando de Defesa Cibernética] nos últimos três anos”, afirma um dos documentos elaborados para a contratação, o estudo técnico preliminar, com data de 14 de junho de 2021. Dos três anos citados, portanto, dois e meio se referem ao governo Bolsonaro.
“Não é possível detalhar as atividades devido ao caráter sigiloso, todavia a existência de uma solução seria suficiente para viabilizar o trabalho realizado neste centro”, prossegue o documento.
O pedido formal para compra do equipamento partiu do chefe de gabinete do Comando de Defesa Cibernética, coronel Alexander Vicente Ferreira. Ele enviou ofício à base administrativa do Comando de Comunicações e Guerra Eletrônica do Exército, responsável por efetivar a aquisição.
A opção do Exército foi pela solução Cellebrite UFED, “com hardware próprio comercializado no Brasil”, segundo os documentos da contratação.
A empresa TechBiz Forense Digital é a única fornecedora da ferramenta no Brasil e por isso seria impossível fazer uma licitação, conforme os documentos.
Realizados os trâmites internos, a empresa foi contratada em 28 de dezembro de 2021. O valor do contrato é de R$ 528 mil, com vigência de 28 de dezembro de 2021 a 27 de dezembro de 2024.
“A TechBiz forneceu o equipamento e software para análise de conteúdo de smartphones e serviço de treinamento e suporte técnico somente. A finalidade específica é de responsabilidade do Exército brasileiro”, afirmou a empresa, em nota.
“Não temos qualquer informação sobre acessos que porventura tenham sido feitos. A TechBiz não recebe relatórios sobre o uso do equipamento por parte de seus clientes”, disse.
A reportagem questionou se a empresa fornece o equipamento a algum órgão público com natureza semelhante à do Centro de Defesa Cibernética do Exército.
“O Centro de Defesa Cibernética não possui órgão semelhante no Brasil, dada a natureza específica e única de sua atuação definida pelo Ministério da Defesa”, respondeu.
A área de defesa cibernética do Exército faz atividades de proteção, exploração e prevenção de ataques cibernéticos.
“Dentre as atividades de proteção, a forense computacional é uma tarefa que permite a coleta e exame de evidências digitais em redes e sistemas de informação de interesses do Exército brasileiro”, cita um dos documentos preparatórios da contratação.
A TechBiz já fornece serviço de “extração e análise forense” ao Centro de Inteligência do Exército, uma unidade de assistência direta ao comandante da Força, no mesmo nível do próprio gabinete do comandante, conforme o organograma do Exército.
O Comando de Defesa Cibernética está mais abaixo, vinculado ao DCT (Departamento de Ciência e Tecnologia).
O uso do sistema do Centro de Inteligência chegou a ser cogitado, mas o Comando de Defesa Cibernética entendeu que haveria uma “concorrência com as atividades daquela organização militar”.
A ferramenta adquirida para o Comando de Defesa Cibernética deve atender a “forense em smartphones em todas as suas etapas”: proteção, extração, armazenamento e indexação de dados.
Ao todo, o processo de contratação lista 41 funções que a ferramenta deve alcançar no processo de extração de dados de celulares.
Entre essas funções estão acessar dados mesmo em aparelhos bloqueados, alcançar os mais distintos modelos de telefones e coletar dados de contas em Twitter, Facebook e Instagram.
A ferramenta também deve recuperar imagens e localizações apagadas, acessar dados na nuvem, permitir foco em pessoas com reconhecimento facial automático, extrair pelo menos 50 fontes privadas de dados e coletar e analisar mensagens de e-mail não lidas.