UOL — Quatro assessores e três ex-assessores envolvidos diretamente na produção de vídeos do vereador do Rio de Janeiro Gabriel Monteiro (PL) receberam na forma de salários ao menos R$ 871 mil da Câmara Municipal desde que o youtuber e ex-PM assumiu o mandato, em janeiro do ano passado.
O uso de funcionários do Legislativo para fins privados é um dos focos de integrantes da Comissão de Ética que analisam nos próximos dias o processo que pode culminar na cassação de Monteiro. As suspeitas de manipulação dos vídeos também estão na mira da comissão.
Um ex-funcionário (Fábio Neder) e dois funcionários (Vinícius Hayden e Robson Coutinho) confirmaram ao UOL que participavam da produção dos vídeos em horário de expediente da Câmara. O material era publicado nas redes sociais de Monteiro, entre elas, o canal dele no YouTube. Na quinta (7), em entrevista na porta da 42ª DP (Recreio dos Bandeirantes), que investiga o vazamento de um vídeo íntimo de Monteiro com uma adolescente de 15 anos, o vereador negou o uso dos assessores para fins privados. “Eles foram pagos de maneira privada, e eu tenho toda prova. Registro bancário, eu tenho isso.”
O UOL procurou nesta sexta-feira (8) o youtuber, por meio de seu advogado Sandro Figueiredo, mas não houve retorno. Caso haja resposta, ela será incluída nesta reportagem. A Câmara do Rio de Janeiro passou a divulgar a lista completa com os vencimentos dos funcionários da Casa apenas a partir de novembro. A cada mês, são retirados do ar os dados dos meses anteriores. Os valores atualmente disponíveis são os de fevereiro.
O UOL conseguiu recuperar as quatro tabelas divulgadas até agora e calculou o total de salários pagos com base na média dos valores líquidos recebidos por quatro assessores e três ex-assessores —eles já admitiram publicamente fazer parte da produção dos vídeos ou aparecem em imagens de vídeos de Monteiro recentemente divulgadas pela imprensa.
Eles são Heitor Monteiro de Nazaré Neto, Mateus Souza de Oliveira, Vinicius Hayden Witeze, Fabio Neder Fernandes di Leta, Robson Coutinho da Silva, Rick Dantas e Pablo Batista Foligno.
Para o cálculo, a reportagem também considerou o tempo de atuação dos sete funcionários e ex-funcionários no gabinete de Gabriel Monteiro —os períodos variam de três a 15 meses.
Assessor-chefe ganha R$ 23 mil O maior salário é de Rick Dantas, assessor-chefe do gabinete de Gabriel Monteiro desde o início de seu mandato. Em fevereiro, por exemplo, ele recebeu R$ 23.367 líquidos. É mais do que o próprio vereador, que teve vencimentos líquidos de R$ 14.037 no mesmo mês.
Dantas é apontado por outros assessores de Monteiro como o coordenador dos vídeos. Questionado pelo UOL sobre as produções, ele disse, de forma genérica, que participou “ativamente de todas as ações do mandato, dirigia e orientava os demais assessores, sob o comando do mandatário [Gabriel Monteiro]”.
Dois assessores (Vinícius Hayden e Robson Coutinho) e um ex-assessor (Fábio Neder) confirmaram, contudo, ao UOL que faziam a produção dos vídeos durante o expediente na Câmara e que Dantas era o coordenador. Entre os vídeos, estavam os chamados “experimentos sociais”, sobre os quais há evidências de manipulação de pessoas vulneráveis, inclusive uma criança.
Os relatos são de que os trabalhos eram sempre na casa de Gabriel Monteiro —primeiramente em Camboinhas, em Niterói, e mais recentemente na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio— e que os assessores nunca compareciam à Câmara dos Vereadores, no centro da capital.
O videomaker Fábio Neder era um dos assessores que participavam da produção. Segundo ele, o trabalho não tinha nenhuma relação com o mandato de vereador. “Era tudo voltado para o canal dele [no Youtube]. A gente fazia reunião e deixava tudo programado para os vídeos que ele queria fazer na semana. Futebol na praça, experimento social. E dentro desses vídeos aparecia alguma fiscalização em hospital”, relata. Segundo ele, esse tipo de ação em unidade de saúde justificaria a atividade parlamentar.
Neder disse ainda que nunca recebeu nada “por fora”, como alega Monteiro, apenas o salário da Câmara. Vinícius Hayden confirma as alegações do colega. Ele atuava como produtor para os vídeos de Monteiro. Entre suas funções, estava a de “arrumar podres”, nas palavras ele, contra desafetos do vereador. Esse trabalho envolvia inclusive o mapeamento da rotina de autoridades.
Ele tinha um setor de investigação que ele criou. Ali a gente investigava o que ele queria, seja um desafeto político como o deputado [estadual] Gustavo Schmidt, a [secretária municipal de Assistência Social] Laura Carneiro, o coronel Íbis Pereira [ex-comandante da PM]”. Hayden também participava do recrutamento de pessoas em situação vulnerável para os experimentos sociais de Monteiro. “Ele dizia: ‘Eu quero uma criança magrinha, pequena, negra, com cabelo grande’. Aí a gente ia pra rua até achar”, explica.
O assessor também afirmou que o acertado era que seu pagamento pelo trabalho na produção dos vídeos era apenas o salário da Câmara. “Eu posso garantir que eu nunca recebi um real por fora dele, e ainda afirmo que pode puxar extrato de todas as minhas contas bancárias. Nunca recebi um centavo dele, só recebia da Câmara.”
Robson Coutinho também confirmou que os trabalhos se concentravam na casa de Monteiro e que, em algumas ocasiões, eles tinham que sair de madrugada para registrar fiscalizações do vereador. O youtuber foi acusado de agir com truculência ao fazer inspeções em unidades de saúde.
O UOL tentou contato com Heitor Monteiro de Nazaré Neto e Mateus Souza de Oliveira, mas não houve retorno. Pablo Batista Foligno não foi localizado.
‘Ilegal, imoral e quebra de decoro’ Integrante da Comissão de Ética da Câmara, Chico Alencar (PSOL) afirmou que “se confirmado [o uso de assessores pagos pela Casa para fins privados], seria simplesmente ilegal e imoral, além de quebra de decoro”. “Os assessores (ou ex) que denunciam isso precisam provar com fatos, atos e registros de fotos e vídeos que trabalhavam para a empresa privada dele, no YouTube”, completou..
Apesar das acusações de uso privado de seus assessores, Monteiro chegou a fazer um discurso no plenário da Câmara, em março do ano passado, dizendo que apresentaria um projeto de lei para reduzir pela metade os salários de todos os vereadores, prefeito, vice-prefeito e secretários municipais enquanto durasse a pandemia de covid-19. O projeto de lei, porém, até hoje não consta no site da Casa.