Decisão do Copom contraria desejo do governo Lula de que haja um corte na taxa Selic
Folha de São Paulo – O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), criticou nesta quarta-feira (22) a decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) de manter a taxa de juros no patamar atual de 13,75% ao ano e disse considerar “muito preocupante” o tom do comunicado do Banco Central.
O BC enfatizou a “deterioração adicional” das expectativas de inflação e deixou a porta aberta para retomar o ciclo de elevação dos juros, caso considere necessário.
“Eu considerei o comunicado preocupante, muito preocupante, porque hoje nós divulgamos o relatório bimestral da Lei de Responsabilidade Fiscal mostrando que nossas projeções de janeiro estão se confirmando sobre as contas públicas [com déficit menor]”, disse Haddad a jornalistas.
O tom duro do comunicado vai na direção contrária do que almeja o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tem pressionado por uma redução dos juros.
“O comunicado deixa em aberto. Num momento em que economia está retraindo e que o crédito está com problemas, sobretudo empresas, famílias, o Copom chega a sinalizar até a possibilidade de uma subida da taxa de juros, que já é hoje a mais alta do mundo”, disse Haddad.
“Então obviamente que nós lemos com muita atenção, com consideração, mas nós achamos que realmente o comunicado preocupa bastante, porque a depender das futuras decisões, nós podemos inclusive comprometer o resultado fiscal, porque daqui a pouco você vai ter problema das empresas para venderem, recolherem impostos. Nossa preocupação é essa”, afirmou o ministro.
Apesar das críticas, Haddad lembrou que, na primeira decisão do Copom sob o governo Lula, o comunicado também veio com um tom mais duro, posteriormente atenuado na divulgação da ata da reunião dos diretores do Banco Central.
“Tomara que isso aconteça de novo, esperamos que isso aconteça de novo. Mas nós vamos fazer chegar ao BC a nossa análise do que é mais recomendável para a economia brasileira encontrar o equilíbrio. Equilíbrio de trajetória da dívida, da inflação, das contas públicas, do atendimento às demandas sociais. Esse conjunto de fatores precisa ser considerado, segundo a própria lei que dá autonomia ao Banco Central”, afirmou.
Ele também reconheceu que o BC vem fazendo acenos de reconhecimento aos esforços da equipe econômica de reequilibrar as contas, mas reafirmou em diferentes trechos de sua entrevista que o comunicado preocupou o governo.
O ministro chamou a deterioração de expectativas de inflação citada pelo BC de “conjuntural” e avaliou que a instituição deveria mirar nos “fundamentos da economia” em sua decisão sobre juros.
“Não há nada de estrutural nessa desancoragem. Se estivesse havendo alguma coisa de estrutural acontecendo, nós tínhamos que ter muito mais cautela. Mas expectativa é uma coisa que se muda de um dia para o outro”, afirmou.
“Nós temos que olhar para os fundamentos da economia e nos perguntarmos se há algum desequilíbrio de oferta e demanda que faça prever um recrudescimento da inflação para os próximos meses. E eu penso que, nesse momento, do ponto de vista dos fundamentos da economia, eu não percebo essa tendência”, disse Haddad.
Além da deterioração das expectativas de inflação, o BC também cita a incerteza sobre a nova regra fiscal e seus impactos sobre as expectativas para a trajetória da dívida pública como fator que pesou em sua decisão. Nesta terça-feira (21), Lula afirmou que o anúncio do marco fiscal ficará para abril, quando voltar de viagem à China.
Haddad, porém, disse considerar que o atraso na divulgação da nova regra não influenciou a decisão do BC, uma vez que o prazo legal para o envio da proposta é 31 de agosto, conforme estabelecido pela PEC (proposta de emenda à Constituição) da Transição.
“Isso não pode ter feito parte das considerações do Copom nesse momento. Nós estamos com toda a cautela, com todas as consultas recomendadas pelo presidente da República que já foram feitas”, disse.
O ministro também argumentou que o governo tem sinalizado para uma trajetória de melhora nas contas e disse que pretende “fazer chegar” ao BC as projeções mais recentes para o Orçamento, anunciadas nesta quarta. No relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas, a estimativa de déficit para o ano caiu de R$ 228,1 bilhões para R$ 107,6 bilhões.
“Repito, é um comunicado preocupante, porque ele abre perspectivas que não são as desejadas por nós [de aumento de juros]. E eu repito, nós vamos levar o relatório bimestral da LRF para o Banco Central, mostrar que o nosso compromisso firmado em janeiro é consistente e está sendo realizado e, portanto, isso deve dar segurança para que nós possamos ter uma trajetória diferente”, disse.
Segundo ele, essa “trajetória diferente” na política monetária é importante inclusive para não comprometer a busca pelo equilíbrio das contas públicas. Uma fatia significativa da dívida brasileira tem juros atrelados diretamente à Selic. Numa situação de déficit e com os juros em alta, o Brasil precisa se endividar mais para honrar esses compromissos.
O governo também teme o efeito dos juros sobre a atividade econômica, que tende a se desacelerar com a Selic mais elevada. “A economia precisa estar funcionando para as contas se equilibrarem”, disse Haddad.
O ministro ressaltou que, em um ambiente mais adverso no cenário internacional, o Brasil está em “situação diferente” dos demais países, pois a inflação já desacelerou, mas a taxa de juros permanece elevada.
“É só comparar com a inflação europeia. E a taxa de juros do mundo desenvolvido, apesar de ter subido, continua negativa [em termos reais]. Ela não está positiva. Enquanto a nossa taxa de juros é a maior do mundo, ela está hoje rodando, dependendo de como você faz a conta, entre 6,5% e 8% acima da inflação”, disse.
Haddad também rebateu críticas de quem vê nas declarações de integrantes do governo e do próprio ministro da Fazenda sobre juros uma fonte de ruídos com o Banco Central.
“Não existe ruído quando existe boa fé. Eu estou aqui de boa fé, emitindo uma opinião que eu penso que deva ser considerada pela autoridade monetária […]. Aliás, eu falo em harmonia desde a primeira entrevista que eu dei ainda em dezembro, em harmonizar as políticas monetária e fiscal. E eu vou continuar perseverando com esse objetivo”, disse.
O ministro da Casa Civil, Rui Costa, fez coro às críticas de Haddad. “Essa decisão não é o que o governo esperava”, afirmou. “Esta insensibilidade do Banco Central só aumenta o desemprego e o sofrimento do povo brasileiro. Não dá para compreender”.