Antes prevista para o início de 2023, a desaceleração virá logo no fim deste ano e já há analistas prevendo PIB zero ou até negativo no último trimestre
O Globo – A desaceleração da economia brasileira, antes prevista para o início de 2023, virá logo no fim deste ano, e já há analistas prevendo PIB zero ou até negativo no último trimestre. Além disso, o comércio projeta que as vendas no Natal deste ano fiquem abaixo do registrado em 2021.
A alta da taxa básica de juros para combater a inflação — que começou em março de 2021, quando a Selic estava em 2%, chegando a 13,75% ao ano hoje — agora atinge em cheio a indústria e o varejo. São setores que enfrentam dificuldades para vender bens duráveis financiados, dado o elevado custo do crédito.
— O quarto trimestre deverá ser o ápice da desaceleração da economia — destaca Fábio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC). — Teremos um Natal pior do que o do ano passado.
Ele afirma que a Copa do Mundo deve amenizar o quadro, devido à venda de televisores, mas as perspectivas não são boas:
— A política monetária tem neutralizado essa política de estímulo ao consumo. Apenas o setor de serviços, que é a locomotiva da economia e não depende do crédito, está indo bem.
‘Sacrificou a janta’
A avaliação é que, além do peso da política monetária sobre itens mais dependentes de crédito, como eletrodomésticos, aparelhos eletrônicos, veículos e materiais de construção, há expectativa de demanda menor. Isto porque o dinheiro injetado na economia por meio de medidas com viés eleitoreiro, como a liberação de R$ 30 bilhões do FGTS no primeiro semestre, a antecipação do 13º salário e o reforço de programas sociais como o Auxílio Brasil, já terão praticamente se esgotado.
— Os recursos não estarão mais disponíveis no fim do ano, ou seja, o governo sacrificou a janta para servir o almoço — afirma o economista do banco Original, Eduardo Vilarim, que prevê queda de 0,3% do PIB no quarto trimestre deste ano.
Ele lembra ainda que a alta do petróleo no contexto internacional, somada à volatilidade do câmbio, fez com que os combustíveis “parassem de ajudar” a inflação, com defasagens de 16% do diesel e 11% da gasolina. Quando a Petrobras reajustar os combustíveis, haverá ainda menos renda disponível para o consumo.
Felipe Moura, sócio e analista de investimentos da Finacap, lembra que o efeito do aperto da política monetária no mercado é defasado e só agora está sendo sentido, ao contrário de medidas pontuais tomadas pelo governo para reduzir a inflação, como o corte de tributos sobre os combustíveis.
Ele acredita que a desaceleração já começará a ser vista nos números do terceiro trimestre e com ainda mais força no quarto trimestre.
De acordo com o IBGE, em agosto o varejo registrou a terceira queda seguida nas vendas, de 0,1%, e bateu o menor patamar do ano. No trimestre, houve recuo de 0,8%. A produção industrial caiu 0,6% em agosto, também segundo o IBGE.
Confiança em queda
Já a Confederação Nacional da Indústria (CNI) informa que, no mês passado, o índice de evolução na produção ficou em 49,0 pontos — abaixo do patamar de 50 pontos, que separa aumento de queda da produção industrial. É o pior resultado desde setembro desde 2019.
Segundo a CNI, o setor produtivo brasileiro está menos animado. Este mês, o Índice de Confiança do Empresário Industrial (Icei) recuou em 23 de 29 setores pesquisados pela entidade, em relação a setembro. Entre os mais atingidos estão calçados, produtos de borracha, materiais elétricos e móveis.
O índice, medido em uma escala de zero a 100 pontos, reflete as expectativas do empresariado para os próximos seis meses e uma avaliação sobre o que se passou no semestre anterior.
A preocupação com as elevadas taxas de juros cresceu no setor industrial brasileiro. O desemprego é outro aspecto levado em conta, e este deve aumentar no início do ano que vem, estima Lucas de Assis, economista especializado em mercado de trabalho da Tendências Consultoria. A situação só não vai piorar no fim de 2022 porque é um período de contratações temporárias, por causa das festas de fim de ano.
Para Assis, de modo geral os dados do Novo Caged reforçaram os sinais de desaceleração na abertura líquida de vagas formais no país, em linha com o esgotamento do impulso gerado pela reabertura do pós-pandemia. Após a criação de 221,3 mil vagas em julho (dado revisado), houve geração líquida de 278,6 mil postos em agosto.
Segundo ele, embora a criação de vaga com carteira assinada vá continuar se beneficiando da expansão dos serviços presenciais e do aquecimento do consumo das famílias até o fim do ano, estima-se forte desaceleração do saldo do Novo Caged ao longo de 2023.
— Além dos impactos cumulativos da política monetária doméstica e da esperada desaceleração global, a geração de vagas formais deve ser limitada pelo esgotamento do impulso gerado pela normalização do consumo de serviços presenciais e redução de parte dos estímulos fiscais — completa o economista.
IBC-BR negativo
Os sinais de que a economia vai desacelerar ficam claros com a queda de 1,13% em agosto do IBC-BR, espécie de prévia do PIB do Banco Central. Nem o setor de serviços, que mostrou grande expansão neste ano, foi suficiente para carregar o índice.
Felipe Sichel, sócio e economista-chefe do Banco Modal, avalia que a economia brasileira se encontra em um momento de transição entre choques significativos. Por um lado, a reabertura da economia e o estímulo fiscal adicional do governo, que permitem um nível de atividade maior do que o antecipado.
Por outro, o aperto das condições financeiras tanto locais (via aumento da taxa Selic) como globais (por exemplo, a valorização do dólar no mundo), que contribuem para o arrefecimento da atividade econômica.
— A economia brasileira deverá, necessariamente, desacelerar em algum momento — diz Sichel.
Procurados, o Ministério da Economia e o Banco Central preferiram não se manifestar.