Presidenciáveis acenam ao eleitorado cético sem comprometer engajamento das bases aliadas, na avaliação de especialistas
O Globo – Com receio de desgastes em um segundo turno que os apresenta com índices semelhantes de rejeição, o ex-presidente Lula (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) têm evitado detalhar propostas para a economia e o combate à corrupção, deixando brechas para mudanças e guinadas em discursos. Nas ocasiões recentes em que mencionaram publicamente pautas como a revisão da tabela do Imposto de Renda (IR), mudanças na regra do teto de gastos e o relacionamento com instituições como a Polícia Federal (PF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), os candidatos buscaram acenar com diretrizes sem se comprometer com uma fórmula específica. Para especialistas, ambos tentam acenar a um eleitor mais cético quanto a suas candidaturas sem desagradar as bases.
Lula reapresentou nesta semana uma proposta de aumentar a faixa de isenção no IR para R$ 5 mil, mirando um eleitorado de classe média. A ideia já havia sido trazida pelo ex-presidente no início da corrida eleitoral, mas foi deixada de lado após economistas ligados à campanha avaliarem que a iniciativa poderia não ter efeito prático para reduzir a concentração de riqueza, por implicar em reajustes de alíquotas também para outras faixas.
Em discurso na Bahia nesta quarta-feira, o petista defendeu sua proposta afirmando que o modelo atual de tributação igualaria mais pobres e mais ricos, mas ressaltando não querer “tirar nada de ninguém”, em um gesto também às classes de renda mais altas. As diretrizes de governo apresentadas pela campanha de Lula falam em “fazer os muito ricos pagarem Imposto de Renda”, sem detalhar a ideia.
— Vamos ter que fazer política tributária correta, progressiva. Por isso estamos propondo que até R$ 5 mil as pessoas não paguem mais Imposto de Renda. No Brasil, quem ganha seis salários mínimos está entre os 10% mais ricos. Isso não é normal. E 68% da arrecadação vem dessa gente que ganha pouco — disse Lula.
Mudanças de posicionamento do petista já apareceram na área de combate à corrupção. Após ter exaltado em diferentes momentos o fato de seu governo ter iniciado a prática de seguir a lista tríplice do Ministério Público Federal (MPF) na nomeação do PGR, Lula não quis se comprometer com o modelo na campanha. Em sabatina ao Jornal Nacional da TV Globo antes do primeiro turno, o petista disse que queria deixar “uma pulguinha atrás da orelha” dos procuradores, em meio a críticas à atuação do MPF contra si mesmo na Lava-Jato.
Bolsonaro, por sua vez, tem dado enfoque em seus discursos a indicadores negativos na economia após o governo Dilma Rousseff (PT) e a investigações por corrupção contra Lula, cujas sentenças na Lava-Jato foram anuladas. Com a estratégia, que envolve ainda temas como aborto, e sem detalhar como cumprir metas estipuladas para seu próximo mandato, o presidente tenta ampliar a rejeição ao petista, que chegou a 42% segundo a última pesquisa Ipec; a rejeição a Bolsonaro, no mesmo levantamento, oscilou de 50% para 48%.
— Nas questões econômicas temos ido bem graças a ministros competentes. O dia 30 de outubro vai marcar a luta do bem contra o mal. Falo de vez em quando algum palavrão, mas não sou ladrão — discursou Bolsonaro, na segunda-feira, em Pelotas (RS).
Na avaliação do cientista político Josué Medeiros, do Núcleo de Estudos sobre a Democracia (Nudeb) da UFRJ, Bolsonaro mantém na campanha um padrão de oscilações em seus posicionamentos, por vezes contraditórios entre si. Embora, em acenos ao mercado, venha elogiando a performance do ministro da Economia, Paulo Guedes, o presidente já sugeriu na campanha a intenção de recriar pastas como Indústria e Comércio, que hoje estão sob a alçada de seu ministério. Na campanha de 2018, em um gesto que buscava demarcar distância para acordos políticos que envolveram denúncias de corrupção, Bolsonaro chegou a prometer “no máximo” 15 ministérios, oito a menos do que o número atual.
Lula, por sua vez, deixa “portas de saída” ao falar sobre propostas para não ficar posicionado muito à esquerda, segundo Medeiros. O petista tem buscado atrair neste segundo turno forças de centro, como a presidenciável Simone Tebet (MDB), e também colheu apoios de economistas com perfil liberal, como o ex-presidente do Banco Central, Arminio Fraga.
— Numa eleição marcada pelo duelo de rejeições e em que o primeiro colocado nas pesquisas não tem tanta vantagem, há pouco espaço para o debate programático. Nenhum dos candidatos quer o risco de perder pontos, e o próprio eleitor parece mais atento a temas como a fome e a pauta moral — avalia o cientista político.
Sem soluções
Entre as áreas com maior potencial de atritos que têm sido pouco detalhadas por Lula e Bolsonaro estão mudanças no teto de gastos e no preço dos combustíveis. Ambos têm indicado planos de rever o limite de despesas estabelecido no governo Michel Temer (MDB), cuja regra atual prevê o reajuste pela inflação, mas conciliam falas contra o teto com discursos pró-responsabilidade fiscal, sem colocar uma fórmula em debate. O tema se relaciona também com promessas feitas pelas duas campanhas de garantir o Auxílio Brasil de R$ 600, por ora sem espaço no Orçamento, e o piso da enfermagem, que pode ser custeado com saldos remanescentes de verba de combate à Covid-19.
No caso dos combustíveis, Lula tem sugerido acabar com a paridade de preços da Petrobras com o mercado internacional, item também já criticado por Bolsonaro, mas sem se comprometer com um modelo. Na sabatina ao Jornal Nacional em agosto, o petista chegou a apontar “equívocos” de Dilma, sua sucessora, ao represar o preço da gasolina em 2014, sem acompanhar o custo do barril de petróleo, o que pressionou o orçamento da Petrobras.
Na campanha, Bolsonaro e Lula também têm feito acenos distintos para parceiros internacionais, como China, Estados Unidos e Rússia, em paralelo a discursos protecionistas.