Recessão, crise energética na Europa, Guerra da Ucrânia, desaceleração na China são alguns dos entraves que deverão ser enfrentados
O Globo – O candidato que sair vitorioso das urnas no próximo dia 30 vai governar o Brasil com um cenário hostil na economia global. Alguns países ricos estarão em recessão, os Estados Unidos deixarão seus juros altos por muito tempo, a crise energética na Europa poderá levar a uma desindustrialização do continente e a China, principal parceiro comercial do Brasil, estará crescendo ao menor ritmo desde os anos 1990.
O impacto da guerra na Ucrânia—que eclodiu quando a economia global iniciava uma recuperação pós-pandemia — terá efeitos para além de 2023. O conflito trouxe uma inesperada incerteza geopolítica para a economia, além de elevar o preço do petróleo e pressionar a inflação nos países ricos, levando os Estados Unidos a subirem sua taxa de juros ao maior patamar em 14 anos, com aperto no crédito global.
Na China, a política do governo de Covid zero, que levou o país a adotar vários lockdowns em grandes metrópoles, derrubou a atividade econômica. O colapso do mercado imobiliário local, com grandes incorporadoras em dificuldades financeiras, acentuou a crise.
O país deve crescer só 3,2% este ano e 4,7% em 2023, segundo projeções da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), bem abaixo do ritmo acima de 6% anuais de antes da Covid.
—Temos os bancos centrais americano e europeu subindo juros, com economias já desacelerando, o conflito entre Rússia e Ucrânia, que traz incertezas, e a China, com uma retomada econômica que têm se mostrado mais dura. Isso nos afeta pelos canais de comércio exterior e traz incertezas que atrapalham emergentes e pressionam o câmbio —disse o economista do Santander, Tomás Urani.
A China é o principal parceiro comercial do Brasil, destino de mais de 30% de nossas exportações. Na terça-feira passada, o governo reduziu sua previsão de saldo comercial para este ano de US$ 81,5 bilhões para US$ 55,4 bilhões.
A economista-chefe para Ásia-Pacífico da consultoria Natixis, Alicia Garcia Herrero, diz que as restrição devem continuar afetando o crescimento chinês até o fim do primeiro semestre de 2023:
— Nós temos dois cenários. Um deles é com maior abertura em março, pelo qual a China pode crescer 5%. Mas esse cenário não é muito provável, então, deve ser algo em torno de 4%. Se tivermos uma recessão global, mesmo com a China crescendo 4%, ela continuará a sustentar a economia global, mas não como visto antes.
O fiel da balança para uma recessão global será o comportamento do PIB americano. Ao elevar os juros do país pela quinta vez consecutiva em setembro, para conter a inflação, o Federal Reserve, o banco central americano, reduziu a projeção de crescimento dos EUA para 1,2%, ante estimativa anterior de 1,7%, em junho.
Além de cortar as previsões, o Fed deixou de lado a defesa de um “pouso suave” na economia, pelo qual poderia ocorrer uma desaceleração da atividade, mas sem necessariamente uma recessão.
Como destaca a economista do Bradesco, Myria Bast, o cenário de “pouso suave” é bastante improvável, levando em conta o mercado de trabalho americano ainda aquecido e a inflação de serviços elevada:
— Achamos improvável ter o pouso suave e isso ser suficiente para combater a inflação. Prevemos recessão (nos EUA) no ano que vem, com crescimento global abaixo dos 3%.
Na Europa, alguns países dificilmente conseguirão escapar da recessão, preveem os analistas. A Alemanha, mais dependente do gás russo, deverá ter PIB negativo de 0,7% em 2023, prevê a OCDE.
A disparada no custo da energia levou os países da União Europeia a adotarem em conjunto um plano para racionar o consumo no inverno, e várias fábricas europeias estão reduzindo produção com a escassez e os altos preços do gás.
Para o professor do Instituto de Economia da UFRJ, Luiz Carlos Prado, o cenário econômico mais desafiador vai exigir maior equilíbrio e habilidade do novo governo para aproveitar as oportunidades que surgirem.
Oportunidades
Prado defende que além de procurar novos mercados, o país melhore suas relações com parceiros tradicionais.
— A capacidade que o Brasil teve de historicamente negociar com todos os players deve ser reconstruída.
Dentre as pontes que precisarão ser refeitas estão as ligadas ao ambiente, diz Prado:
— A agenda ambiental não é só um ônus, ela é um potencial de expansão da economia e desenvolvimento de negócios. O Brasil tem um potencial de geração de energias alternativas muito importante e pode desenvolver novas tecnologias, com o uso do hidrogênio .
Para o economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato, é quase impossível que o mundo não entre em recessão em 2023 e a expectativa maior é como esse cenário vai se desenrolar na Europa.
— A grande incógnita é a Europa, com problemas em empresas financeiras, crise do gás e a guerra na Ucrânia . Não sabemos o desfecho dessas questões. Isso pode produzir manifestações sociais, pode haver uma crise de dívida soberana, com fragmentação. E pode produzir eventos de liquidez em bancos globais e fundos, como vimos no Reino Unido.
Honorato lembrou que EUA e China estão num ciclo de desaceleração “regular”:
— Teremos menos crescimento global, com as commodities desacelerando, dólar mais forte e desinflação. Mas as incertezas têm potencial para mexer com preço de ativos. Para quem vai fazer orçamento para 2023, estamos recomendando cautela, com dólar próximo a R$ 5,20. Mesmo com o Brasil indo bem, o país não vai escapar de um cenário global adverso.
As dificuldades externas no ano que vem
Economia mundial
- As estimativas para o crescimento econômico mundial em 2023 da OCDE estão em 2,2%, percentual que vem sendo revisto para baixo. Mas especialistas já começam a considerar inevitável uma recessão no ano que vem.
- Com a economia global caindo, o Brasil sofre com menos demanda por commodities e por exportações e ainda torna o dólar mais forte, com efeitos sobre os preços aqui.
Guerra na Ucrânia
- O conflito entre Rússia e Ucrânia, além da incerteza geopolítica que provoca na região, fez os preços da energia dispararem, o que está provocando racionamento de energia em vários países da União Europeia, reduzindo a produção e o crescimento. Os preços em alta levam também a juros maiores, o que contrai ainda mais a atividade econômica nos países da região.
Lockdown na China
- O crescimento chinês que carregava o mundo, rodando acima de 6% ao ano antes da pandemia, não deve se repetir em 2023, com as projeções entre 4% e 4,7%. A política de Covid-19 zero impõe lockdown em várias regiões, paralisando a atividade.
- Além disso, uma crise imobiliária está provocando estragos no mercado, com a falência de incorporadoras e inadimplência em hipotecas.
‘Pouso suave’ difícil nos EUA
- Para combater a maior inflação em décadas, o Federal Reserve (Fed, banco central americano) tem subido os juros, que estão no maior nível em 14 anos. As expectativas que a economia possa só desacelerar, num “pouso suave”, estão ficando cada vez menores.
- O mercado de trabalho aquecido deve forçar o Fed a subir mais os juros, o que pode levar a maior economia do mundo à recessão.
Europa e o gás
- A guerra na Ucrânia está provocando uma crise energética na Europa. O resultado disso é racionamento e menos produção. Economistas já estão prevendo recessão em alguns países da região, como a Alemanha, muito dependente do gás russo.
- A inflação recorde também está forçando o Banco Central Europeu a subir juros e contrair mais ainda a atividade econômica.