Agenda de aumento de gastos e sugestão de Lula de rever política monetária começaram a piorar as expectativas para os preços também em 2024
Nesta quarta (1º), o Comitê de Política Econômica (Copom) do Banco Central (BC) irá anunciar a primeira decisão do ano sobre a taxa básica de juros da economia brasileira, a Selic. Entre os economistas é consenso que ela deverá se manter nos mesmos 13,75% que está desde agosto do ano passado. Essa é a taxa mais alta desde 2016.
Há, porém, uma piora das expectativas dos agentes de mercado para a inflação futura, conforme o governo de Luiz Inácio Lula da Silva avança com uma agenda que sinaliza para maiores gastos, e isto deve começar a aparecer nos comentários do BC sobre o futuro da Selic.
“Temos uma atividade que deu sinais de desaceleração, o cenário internacional também está um pouco melhor para o Copom”, disse o economista-chefe da Western Asset, Adauto Lima, citando a perda de força da inflação global depois de altas recordes em vários países e uma onda de aumento de juros nas principais economias do mundo.
Isto, por um lado, explica, dá um alívio aos juros brasileiros. “Mas, por vários fatores, temos as expectativas para a inflação mais longa [no Brasil] começando a se descolar mais da meta, e o Copom deve colocar isso no seu balanço de risco”, acrescentou Lima.
A projeção da Western, que, até fim do ano passado, falava em uma Selic perto de 11% ao final de 2023, foi revisada para 12,25%. “A queda [dos juros] só deve começar a acontecer lá pelo final do ano”, disse Lima.
Pelo Boletim Focus, relatório semanal do BC que acompanha as expectativas de mercado para os principais indicadores econômicos, as projeções para a inflação vêm subindo nas últimas semanas para todos os anos até 2026, data mais longa captada pela pesquisa.
Para 2024 e 2025, anos em que a meta de inflação será de 3% e que contemplam o “horizonte relevante” para o qual o BC olha ao decidir agora a taxa de juros, as projeções de mercado para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiram para 3,90% e 3,50%, respectivamente, nas últimas duas semanas.
Para 2023, também em alta, a projeção média de mercado é de um IPCA a 5,7% ao fim do ano, o que significa que, pelo terceiro ano seguido, a inflação deve desrespeitar tanto o centro quanto o teto da meta que o BC deveria cumprir.
Para 2023, a meta para a inflação é de 3,25%, com tolerância entre 1,75% e 4,75%.
“A combinação de um fiscal mais expansionista e do risco de mudanças na política monetária acabou levando a esse aumento das projeções de mercado, principalmente para 2024, e a gente sabe que isso tem impacto na política monetária atual”, disse a economista-chefe do Inter, Rafaela Vitória. “Na prática, isso significa Selic mais alta por mais tempo.”
O Inter trabalha com uma Selic a 12% ao fim de 2023, enquanto aumentou sua projeção para o IPCA de 5,1% para 5,4% no fechamento do ano.
Entre os episódios mencionados pelos economistas para o aumento das tensões, estão os sucessivos movimentos de aumento de gastos desde o ano passado, com a PEC dos Benefícios, em julho, e a PEC da Transição, que ampliou o Orçamento de 2023 para o governo Lula no início do ano.
Mais recentemente, Lula precipitou as preocupações de investidores e analistas do mercado financeiro ao criticar as atuais metas do país para a inflação, que, em sua visão, estariam muito baixas.
“O Copom (…) deve endurecer os termos para dar mais ênfase aos riscos de alta da inflação pelo ponto de vista fiscal e das incertezas criadas por autoridades do governo em relação à política monetária”, disse o Credit Suisse em relatório a clientes, citando as “indicações de que pode aumentar a meta de inflação” e os questionamento feitos pelo presidente “sobre os benefícios de um banco central autônomo”.
Em relatório a seus clientes, a equipe econômica da XP, que também acredita na manutenção da Selic nos 13,75% nesta quarta-feira, destacou o contraste entre a inflação atual mais favorável e as expectativas para os preços no futuro mais pressionadas.
“A desinflação global e a desaceleração da economia doméstica devem manter a inflação ao consumidor em trajetória de queda”, diz o relatório, assinado pelo economista-chefe da XP, Caio Megale, e pela economista Tatiana Nogueira.
“No entanto, a expansão fiscal sinalizada pela emenda constitucional aprovada recentemente já pressiona as expectativas de inflação, aumentando o desafio da política monetária. Esperamos que o Copom reforce este risco em sua comunicação oficial esta semana.”