Sem redução rápida, mundo praticamente perde a chance de aquecer menos que 1,5°C, meta mais ambiciosa do Acordo de Paris
O Globo – Vários países prometem zerar suas emissões de carbono até 2050, mas se não começarem a diminuir a produção de gases do efeito estufa em apenas três anos, o planeta praticamente perde a chance de impedir um aquecimento global de 1,5°C, diz o painel de cientistas do clima da ONU.
A conclusão está na terceira e última seção do novo relatório de avaliação do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática), que compila e avalia a produção de pesquisa mais recente sobre o tem.
O documento, divulgado nesta manhã, elenca modelos de computador que simulam emissões futuras para mostrar quais deles ainda são compatíveis com a promessa do Acordo de Paris para o clima de manter a temperatura dentro de um nível relativamente seguro.
“As emissões globais são projetadas com um pico entre 2020 e, no máximo, antes de 2025, nos modelos de trajetória global que limitam o aquecimento a 1,5°C, com um grau de confiança de ao menos 50%”, afirma o relatório. “Sem intensificar as políticas além daquelas que foram implementadas até o fim de 2020, as emissões de gases-estufa estão projetadas para aumentar depois de 2025, levando a uma um aquecimento global médio de 3,2°C até 2100.”
Isso significa que as medidas previstas pelos governos não permitem uma contenção da temperatura nem no limite de 2°C, a ponta menos ambiciosa do Acordo de Paris. Assim como ocorreu com a avaliação do IPCC sobre impactos da mudança climática, divulgada no mês passado, o novo relatório foi recebido com um pronunciamento duro do secretário-geral da ONU, António Guterres.
— Este relatório do IPCC mostra a ladainha de promessas quebradas sobre o clima. É um registro de vergonha, catalogando as promessas vazias que seguramente nos colocam em direção a um mundo inabitável — afirmou, em pronunciamento gravado em vídeo.
O novo documento encerra o sexto ciclo de avaliação da ciência do clima feito pelo painel de cientistas. O trabalho é repetido a cada sete anos em média.
Segundo os cientistas do grupo do grupo de trabalho 3 do IPCC, que fizeram o último tomo do relatório, um dos principais entraves ao avanço na redução de emissões é a falta de investimentos, sobretudo nos países em desenvolvimento.
“O progresso no direcionamento de fluxos financeiros para os objetivos do Acordo de Paris continua lento, e está distribuído de forma desigual em diferentes regiões e setores”, dizem.
A justificativa de que o investimento para substituir os combustíveis fósseis é alto demais já não faz sentido, diz o relatório, que ilustra como várias tecnologias de geração de energia baratearam ao longo da última década, sobretudo a solar fotovoltaica. “O benefício econômico global de limitar o aquecimento excede o custo da mitigação na maior parte da literatura científica avaliada.”
Margem estreita
Hoje o planeta está jogando na atmosfera o equivalente a 60 bilhões de toneladas de CO2 por ano. O valor é 50% maior que o de 1990. Mesmo após a assinatura do acordo de Paris, as emissões continuaram aumentando, com uma estagnação apenas no ano da pandemia.
Jim Skea, cientista do Imperial College de Londres e um dos coordenadores do grupo de trabalho 3 do IPCC, afirma que documento não tem a intenção de ser “prescritivo” em relação ao governos devem ou não fazer, mas deixa pouca margem de decisão para o cumprimento do Acordo de Paris.
— Apenas uma redução de emissões rápida, de início imediato e em grande escala nos mantém a caminho de um aquecimento global de até um 1,5°₢ — disse, em entrevista coletiva.
Para a maior parte dos países, honrar as promessas de Paris significa acabar com usinas termelétricas a carvão e começar a reduzir o consumo de petróleo até 2025, buscando eletrificar ao máximo possível a infraestutura de transporte.
Para o Brasil, será não apenas cessar desmatamento “ilegal” até 2030, conforme compromisso assinado pelo país fora do âmbito do Acordo de Paris, mas zerar todo e qualquer remoção de floresta, independentemente da legalidade, nesse período.
Para a ecóloga Mercedes Bustamante, da Universidade de Brasília (UnB), que coordenou o capítulo do relatório sobre florestas, agricultura e uso da terra, o novo documento do IPCC deixou mais claro o peso dessas atividades na crise do clima.
— O setor tem uma contribuição importante, de 22%, quando se olham os modelos globais, e é um setor onde existe um potencial de mitigação muito grande, tanto pela redução das emissões, quanto pela remoção das emissões, que o setor pode fazer com reflorestamento — diz a cientista.
A remoção de emissões é um componente importante em alguns dos cenários considerados viáveis pelo IPCC, que preveem uma extrapolação do aumento da temperatura para além dos 1,5°C no meio do século, apelidada de “overshooting”, para depois retornar a um patamar abaixo.
Além do plantio de árvores são consideradas outras tecnologias, como a captura de CO2 diretamente das chaminés das termelétricas e armazenamento do gás em camadas geológicas profundas. Esse tipo de tecnologia, porém, não foi testada ainda em grande escala, e cenários que contam com seu uso futuro são mais controversos.
— O cenário com overshooting é um cenário mais perigoso que o primeiro, porque não necessariamente as consequências serão reversíveis — explica Roberto Schaeffer, professor da Coppe-UFRJ que também é coautor do novo relatório. — Se uma planta é afetada quando a temperatura aumentar mais que 1,7°C, ela não vai voltar a se recuperar com a temperatura a 1,5°C se ela já tiver morrido.