Para o mercado financeiro, nova composição do Congresso reduz margens para ampliação de gastos pelo próximo governo. Eleição de governadores mais favoráveis à privatização também é bem vista
O Globo – O mercado financeiro comemorou o resultado das urnas no primeiro turno da eleição. A disputa mais acirrada entre Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro e a eleição de um Congresso mais conservador do que o previsto fizeram com que a Bolsa disparasse 5,54%, atingindo 116.134 pontos. Foi a maior alta desde abril de 2020. No mercado de câmbio, o dólar caiu 4,07% e encerrou a R$ 5,17. Foi o maior recuo desde junho de 2018.
A euforia dos indicadores é motivada pela leitura de que essa configuração do Congresso reduz a margem para ampliação de gastos públicos e aumento de impostos para custear despesas numa eventual vitória de Lula. Ainda assim, vale lembrar que Bolsonaro aprovou aumentos de despesas, como o Auxílio Brasil de R$ 600, com o apoio de políticos da direita.
Em uma eleição que parecia ter sido incorporada aos cálculos dos analistas, ou “precificada” no jargão do mercado, o resultado ainda mantém o favoritismo de Lula, mas não assegura sua vitória. A avaliação é que ele precisará rumar para o centro, adotar discurso mais moderado para convencer a fatia do eleitorado necessária para voltar ao Planalto e detalhar planos para a economia. O principal fator de incerteza continua a ser a política fiscal.
Rumo ao centro
A avaliação dos economistas é que a composição de Câmara e Senado deve levar um eventual governo Lula a negociar mais. Bruno Komura, analista da Ouro Preto Investimentos, afirma que a composição do Congresso trouxe mais tranquilidade, mas que o cenário até o fim do mês não está livre de volatilidade.
— Para conseguir chamar a atenção do mercado e de eleitores de centro, Lula teria que abrir o plano de governo e o perfil das pessoas que vão entrar em cada lugar, se ele for eleito. Há muitas dúvidas — disse. — No caso de Bolsonaro, a preocupação é o comportamento dele, muito impulsivo, apesar de o mercado aprovar o ministro da Economia, Paulo Guedes. É preciso saber como Bolsonaro agiria.
O cenário externo também ajudou o desempenho do pregão neste começo de semana. Os índices americanos, que caíram de 20% a 30% desde o início do ano, tiveram alívio ontem após novos dados indicarem desaceleração da economia americana. Na avaliação dos analistas, isso poderia diminuir o ritmo de alta dos juros no país. Dow Jones, S&P e Nasdaq subiram mais de 2% cada um e ajudaram os ativos brasileiros.
Mas analistas apontam que o contexto global continua “desafiador”, o que ainda pode afetar o comportamento de ativos brasileiros nas próximas semanas.
Na XP, em um relatório assinado por Fernando Ferreira, estrategista-chefe, Caio Megale, economista-chefe, Paulo Gama, analista político, e Victor Scalet, estrategista macro, a avaliação é que a disputa presidencial ficou mais acirrada do que se esperava inicialmente.
Na avaliação da equipe de analistas da XP, isso fará com que os dois candidatos, Lula e Bolsonaro, se inclinem mais para o centro numa tentativa de atrair o eleitor mais moderado.
Por isso, o mercado reagiu positivamente. O texto pondera, no entanto, que do ponto de vista de política econômica ainda não há novidades. Os dois candidatos já sinalizaram a intenção de substituir o teto de gastos, regra que limita o crescimento das despesas públicas, como âncora fiscal, mas não indicaram o que ocuparia o seu lugar.
“O resultado das eleições mostra uma eleição muito mais apertada do que era esperado inicialmente. Para os preços de ativos brasileiros, vemos que esse cenário possa ser recebido positivamente pelos investidores. A eleição de forças de centro e direita no Congresso indica que o próximo presidente, seja ele Lula ou Bolsonaro, terá de seguir negociando com a Câmara e o Senado nas pautas mais importantes”, escreveram.
O estrategista-chefe da Sara Invest, Marco Saravalle, afirma que, com Congresso mais à direita, a governança corporativa segue em menor risco nas estatais, o que provocou alta em seus papéis.
As ações ordinárias de Petrobras chegaram a R$ 36,01, após ganho de 8,86%, enquanto as preferenciais fecharam em R$ 32,18, após alta de 7,99%. Os ativos do Banco do Brasil ganharam 7,63%, a R$ 41,46.
Vitorio Galindo, head de análise da Quantzed, vê menor risco de interferência:
— O mercado entende que as estatais ficam mais protegidas de intervenções ou medidas drásticas, tirando o risco político. São empresas que estão muito baratas na Bolsa e, sem interferências, podem andar forte.
Privatização nos estados
Além de um Legislativo mais conservador, Frederico Santana Sampaio, gerente de portfólio de Renda Variável Brasil da Franklin Templeton Emerging Markets Equity, aponta que o bom humor do mercado é alavancado pela eleição de governadores com perfil mais privatizador. Ele observa que a Bolsa brasileira estava barata.
Além disso, números mais positivos da economia, como crescimento mais robusto do PIB este ano e queda da inflação, contribuem para mudar o cenário. Ele resume o resultado do primeiro turno como uma “surpresa positiva”.
Os papéis da companhia de energia Cemig, que atua em Minas Gerais, dispararam, chegando a R$ 11,91, após ganho de 10,69%. Ajudou o fato de Romeu Zema (Novo) ter sido reeleito em primeiro turno para o governo do estado, porque ele já afirmou ser a favor da privatização de empresas.
A maior alta do dia foi da Sabesp, que avançou 16,94% para R$ 58. A leitura é que há mais chance de privatização da companhia.