Nova vaga no Supremo será aberta até maio com a aposentadoria de ministro que completará 75 anos
Folha de São Paulo – Principal cotado para a indicação do presidente Lula (PT) à vaga de ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), o advogado Cristiano Zanin tem como entraves a possibilidade de uma série de conflitos de interesse na corte e a concorrência do advogado baiano Manoel Carlos de Almeida Neto, ex-secretário-geral do STF e próximo ao ministro Ricardo Lewandowski.
A vaga no Supremo será aberta até maio com a aposentadoria de Lewandowski, que completará 75 anos, idade limite para permanecer na corte.
A opinião de Lewandowski será importante na escolha do presidente ao STF. Na avaliação de pessoas próximas a Lula, ele é o único ministro dos indicados do PT que foi fiel ao partido em todos os momentos, inclusive em situações de pressão por parte da mídia e da oposição, como o mensalão.
Manoel Carlos tem acompanhado Lewandowski em eventos públicos e tem sido elogiado, a interlocutores, pelo ministro. Outro nome que tem sido cogitado para o Supremo é o de Bruno Dantas, presidente do TCU (Tribunal de Contas da União), que tem boa interlocução com o Congresso.
Favorito, Zanin é advogado pessoal de Lula e defendeu o presidente em uma série de processos da Lava Jato. Ele criou uma relação de proximidade e confiança com Lula durante a última década, antes de o petista ser preso, e ficou conhecido pela assiduidade na defesa do presidente.
Lula teve condenações anuladas porque o Supremo considerou parcial o ex-juiz Sergio Moro, a partir de um recurso apresentado por Zanin.
O próprio presidente disse no início deste mês que “todo mundo compreenderia” caso ele indicasse o seu advogado pessoal ao STF. Mas, caso se torne ministro, Zanin estaria legalmente impedido de julgar ações nas quais atuou como advogado, inclusive em casos relacionados à Lava Jato.
Um exemplo é o processo que pediu acesso aos sistemas Drousys e MyWebDay da Odebrecht, respectivamente de comunicação interna e de contabilidade e controle de pagamentos de vantagens indevidas. Essa ação tem mais de 20 ramificações, que envolvem distintos políticos.
De acordo com a lei, um magistrado é impedido de julgar processos nos quais ele, seu cônjuge ou um parente tenham atuado —ele é sócio da esposa, Valeska Teixeira, em seu escritório.
Em tribunais superiores, Zanin atua ou atuou em ações nas quais defende também empresas como as Americanas e a J&F, partidos como o PT, políticos como o governador Paulo Dantas (MDB-AL) e acusados da Lava Jato.
Além dos impedimentos, a proximidade com Lula pode ser um entrave para Zanin no Supremo. Um juiz deve se declarar suspeito se, por exemplo, for amigo íntimo ou inimigo capital de uma das partes.
Nesse caso, a avaliação é mais subjetiva e caberia a ele avaliar se a sua proximidade com Lula o tornaria suspeito de atuar nas ações.
As partes de processos, como advogados e Ministério Público, também podem pedir impedimento ou suspeição. “Basta a possibilidade concreta de ofensa à imparcialidade do julgador para se recomendar seu afastamento da condução de um processo”, diz a advogada e juíza aposentada Cecilia Mello.
Não se sabe se Zanin irá se declarar suspeito. O próprio advogado já disse a interlocutores que pode atuar em eventuais novos casos que envolvam Lula. Procurado, ele não se manifestou a respeito do assunto.
Durante a sua carreira como advogado de Lula, Zanin ficou conhecido por questionar a imparcialidade dos juízes que julgavam as ações contra o presidente, muitas vezes apontando o que considerava serem relações suspeitas.
É o caso do próprio Moro e da juíza Gabriela Hardt, substituta da 13ª Vara Federal de Curitiba, e dos juízes do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) João Pedro Gebran Neto e Carlos Thompson Flores.
Contra Gebran, por exemplo, Zanin pediu a suspeição porque, entre outros motivos, considerava que ele tinha “clara amizade” com Moro. Já o próprio Moro, para o advogado, se comportou como se fosse inimigo de Lula.
Segundo representantes do mundo jurídico ouvidos pela Folha, a possível indicação de Zanin pode violar o princípio da impessoalidade e comprometer a legitimidade do tribunal perante a sociedade.
A proximidade de Zanin com Lula também levanta questionamentos de entidades anticorrupção.
“Todas as convenções internacionais anticorrupção que o Brasil é signatário —três delas revisando o país neste ano— incluem a independência do Judiciário como compromisso do país”, afirma Bruno Brandão, diretor executivo da Transparência Internacional.
“Quanto maior o distanciamento entre presidente e o indicado ao STF, maior a segurança da impessoalidade da decisão e, portanto, o compromisso com a independência do principal tribunal do país.”
Apesar do movimento de Lewandowski e de uma certa torcida entre juristas próximos ao governo em favor de Manoel, Zanin é apontado como o preferido do presidente Lula.
Essa predileção pode ser mensurada pela reação de Lula à ruptura da sociedade que Zanin mantinha com o sogro, Roberto Teixeira.
Em agosto de 2022, Zanin e Valeska formalizaram, por telegrama, sua retirada unilateral do escritório Teixeira Zanin Martins, estabelecido quase 20 anos antes.
Acompanhado por toda a equipe, o casal fundou o escritório Zanin Martins, rompendo oficialmente com Roberto e Larissa Teixeira, pai e irmã de Valeska.
Compadre de Lula, Teixeira procurou o petista para reclamar do genro. Segundo esses relatos, Teixeira, que é amigo e advogado de Lula desde 1980, apresentou sua versão para a cisão, incluindo até mesmo disputa por partilha de mobiliário de escritório.
Mesmo informado da traumática circunstância do rompimento, Lula manteve Zanin como seu representante legal, além de elogios públicos ao advogado. Zanin e Valeska estavam entre os convidados do coquetel em comemoração à posse do presidente.
Roberto Teixeira não os acompanhou, embora estivesse em Brasília.
Outra demonstração de apreço foi a opção por Zanin para a equipe jurídica da campanha de Lula. Na palavra de um amigo de Lula, Zanin é um intocável, e esse favoritismo se deve ao sucesso da estratégia jurídica que culminou na elegibilidade do presidente.
A personificação dessa vitória em Zanin chega alimentar ciúme entre integrantes do grupo de advogados Prerrogativas, atuante na defesa do petista.
Procurado, Roberto Teixeira afirmou que “a cisão do escritório já foi concluída”. Também procurados, Valeska e Cristiano Zanin não se manifestaram.