Futuro governo aposta na possibilidade de o Supremo decretar a ilegalidade do instrumento, o que pouparia Lula dos desgastes de uma negociação com o Congresso
Alvo de ataques da campanha eleitoral do presidente eleito Lula (PT), o orçamento secreto está na mira de aliados, que procuram meios para substituí-lo. O orçamento secreto é um artifício por meio do qual parlamentares indicam verbas da União sem serem identificados e de forma desigual. Eles já receberam sinais de que a atual cúpula do Congresso está disposta a negociar mudanças.
O futuro governo petista está apostando que o Supremo Tribunal Federal (STF) decretará a ilegalidade do instrumento em um futuro próximo, o que acabaria por poupar o presidente de desgastes de uma eventual negociação com o Congresso pelo fim da ferramenta.
O orçamento secreto previsto para 2023 é de R$ 19,4 bilhões. Hoje, a partilha desses recursos é capitaneada pelos caciques do Centrão, principalmente o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), aliado do presidente Jair Bolsonaro (PL).
— Temos um presidente eleito que se coloca frontalmente contra as emendas de relator. O STF sinalizou que irá julgar. Então, temos uma situação delicada. Ainda não recebi nenhum emissário do governo eleito para propor alternativas. Estamos analisando possíveis alternativas, mas não temos nada fechado. Se o Supremo desse a decisão, seria um favor muito grande a Lula — resume o relator do Orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI).
Compensações
Enquanto o Judiciário não bate seu martelo, líderes estudam alternativas para compensar o eventual enxugamento das emendas de relator. Uma delas seria aumentar o valor das emendas individuais. Hoje, cada deputado e senador tem direito a destinar R$ 19,7 milhões do governo federal para a área que escolher. Metade desse montante, porém, deve ser indicado para saúde e educação. Ao contrário do orçamento secreto, as emendas individuais são distribuídas igualmente entre todos os deputados e senadores, independente de ser da base aliada ou da oposição, e de ter trânsito ou não com a cúpula do Congresso.
Outra proposta seria manter o valor robusto das emendas de relator, que compõem o orçamento secreto, mas fixar critérios que, de fato, permitam a transparência dos repasses. Nesse caso, porém, se somente essa medida for tomada, a distribuição dos recursos continuaria desigual. Desde o início da campanha, Lula diz que acabará com o mecanismo, que usou como um dos exemplos de suposta corrupção no governo Bolsonaro.
— Há alternativas, mas o que não pode é perdermos a prerrogativa de termos ao menos 1% do orçamento — diz o líder do União Brasil, Elmar Nascimento (BA), que é aliado do presidente da Câmara.
O grupo de Arthur Lira já sinalizou que aceita “ajustar” as emendas que compõem o orçamento secreto. Isso significa que os R$ 16 bilhões reservados para 2022 poderiam diminuir no ano que vem ou serem incorporados às verbas ministeriais, por exemplo.
Deputados de PP, PL e Republicanos — partidos que formam o núcleo duro do Centrão —, próximos a Lira exigem, no entanto, que o Legislativo mantenha o controle sobre quanto cada parlamentar deverá receber, ainda que o recurso engrosse os caixas dos ministérios. Esse grupo rechaça a ideia de que a distribuição dessas verbas “extras” volte às mãos do Executivo, como era feito no início do governo Bolsonaro e também nas gestões petistas e de Michel Temer.
Em uma sinalização ao governo eleito e ao STF, Lira se dispôs a dialogar sobre alterações nas regras do mecanismo. Isso não significa, porém, que a intenção seja diminuir o controle de recursos pelos parlamentares. Durante a semana, o deputado ficou de conversar com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sobre quais mudanças seriam factíveis. O debate, porém, acabou ficando para depois.
Julgamento próximo
No Supremo, a expectativa entre os ministros da Corte é de que a ação que questiona a legalidade das emendas de relator, por meio das quais o orçamento secreto é executado, seja julgada até o final deste mês ou, mais tardar, no início de dezembro.
A relatora do caso e presidente do Supremo, Rosa Weber, não definiu uma data para o julgamento. Integrantes da Corte ouvidos reservadamente pelo GLOBO dizem que o plenário do tribunal deverá considerar o orçamento secreto inconstitucional, seja integral ou parcialmente.
A tendência, segundo esses interlocutores, é que Rosa proponha a derrubada do instrumento e seja acompanhada pela ala que habitualmente vota de maneira similar a ela: ministros Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Alexandre de Moraes. Nesse caso, Luiz Fux deve seguir essa corrente.
Também há a possibilidade de que um grupo de ministros proponha a manutenção das emendas de relator, desde que o Congresso adote critérios de transparência na distribuição dos recursos. Essa corrente seria liderada pelo ministro Gilmar Mendes.
Para ambos os entendimentos, há consenso de que será necessário modular a decisão, uma vez que parte do orçamento já foi empenhado por meio das emendas de relator. Uma decisão radical poderia gerar insegurança jurídica e dar origem a uma série de processos sobre o tema.
O orçamento secreto tem sido usado pelo governo Bolsonaro como forma de aprovar propostas de seu interesse no Congresso, e tem sido associado a acusações de corrupção. Em outubro, por exemplo, a Polícia Federal deflagrou uma operação em cinco municípios do Maranhão para desarticular um grupo de criminosos que falsificava dados do Sistema Único de Saúde (SUS) para aumentar o teto de repasses federais enviados via emendas de relator.