Fontes avaliam ser “praticamente impossível” que a União desfaça a capitalização da companhia, já que processo foi feito prevendo mecanismos que a protegem dessa reversão, entre eles, o elevado custo envolvido
Recentemente, o presidente Lula (PT) afirmou que a privatização da Eletrobras foi um “crime de lesa pátria” e defendeu que a empresa voltasse ao controle do Estado. Em fevereiro, ele disse que a Advocacia-Geral da União (AGU) poderia entrar na Justiça contra cláusulas do processo de capitalização da estatal.
Já no ano passado, ainda como pré-candidato à Presidência, Lula e a presidente nacional do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann argumentaram que a desestatização tornaria a energia elétrica ainda mais cara aos brasileiros.
“Cerca de 33 milhões de brasileiros estão passando fome. As pessoas são obrigadas a escolher entre comprar comida ou pagar a conta de luz, que não para de subir. E o que faz o governo? Privatiza a Eletrobras, para aumentar ainda mais a conta de luz”, escreveu Lula na ocasião.
Acompanhando as declarações de Lula, a base governista tem se movimentado sobre o tema. No final de maço, deputados do PT lançaram a Frente Parlamentar Mista Pela Reestatização da Eletrobras.
O pedido de criação da frente foi de iniciativa dos deputados federais Alencar Santana (PT-SP), um dos vice-líderes do governo Lula na Câmara, e Erika Kokay (PT-DF).
Procurado para comentar sobre a frente parlamentar, o deputado Santana não retornou os contatos da reportagem até a data de publicação desta matéria.
Ainda que Lula tenha dito que o governo não vai recomprar ações da empresa neste momento, fontes consultadas pela CNN apontam que é “praticamente impossível” que a União desfaça a capitalização da empresa.
Isso porque a capitalização da Eletrobras foi feita prevendo mecanismos que protegem a empresa de reverter o processo, entre eles, o elevado custo imposto para isso.
Operação reversa
Mas, se o governo quisesse arriscar, como seria o processo e qual seria o custo?
O governo teria que anunciar sua intenção por meio de uma carta aos acionistas. “O acionista ou grupo de acionistas que, direta ou indiretamente, vier a se tornar titular de ações ordinárias que, em conjunto, ultrapassem 50% (regra estimada para se tornar sócio majoritário) do capital votante da Eletrobras e que não retorne a patamar inferior a tal percentual em até 120 (cento e vinte) dias deverá realizar uma oferta pública para a aquisição da totalidade das demais ações ordinárias”, diz o estatuto.
Após isso, começa uma operação para se chegar aos custos para a recompra das ações. O primeiro cálculo a ser feito é acrescentar 200% ao maior valor de cotação das ações da estatal nos últimos 504 pregões, valor que deve ser atualizado pela taxa Selic.
Após uma sequência de cálculos, se o governo quiser ser novamente o dono da Eletrobras, terá de desembolsar, atualmente, mais de R$ 196 bilhões. Para se ter uma ideia, quando houve a manifestação de interesse de compra por parte dos investidores, a chamada oferta de ações, a empresa movimentou R$ 34 bilhões.
O cálculo foi feito com o auxílio de uma fonte que preferiu não se identificar.
Outros especialistas consultados pela CNN, que também pediram pelo anonimato, dizem também que novas questões poderiam surgir, como com relação às ações preferenciais. Seguindo a mesma regra de precificação, o governo teria de desembolsar mais de R$ 42 bilhões, caso houvesse reinvindicações por parte desses acionistas na justiça.
Todos os pagamentos aos acionistas teriam de ser feitos à vista e, então, entraria em cena o chamado escriturador, aquele que cuida da oferta das ações, no caso da Eletrobras, o banco Bradesco.
Essa é a única maneira de o governo retroceder a capitalização. Se não for feito seguindo as regras do estatuto, a ação extrema que a União poderia colocar em prática seria a quebra do estatuto, o que é muito pouco provável, segundo economistas.
Riscos
As críticas do presidente Lula à operação envolvendo a Eletrobras são consideradas como “bravatas políticas” pela economista e advogada Elena Landau, que rebate pontos como o encarecimento da energia elétrica para os consumidores.
“O objetivo que o Lula teria na cabeça é o de reduzir custos, o que não faz sentido. A Eletrobras tem 24% no setor de geração, ou seja, o impacto que ela teria em tarifas, se quisesse aumentar os preços, é muito pequeno”, disse Landau.
A especialista destacou ainda que uma reversão de um processo jurídico, que seguiu todos os trâmites, poderia gerar uma grande insegurança jurídica no mercado acionista brasileiro.
“Você não afetaria só os acionistas da Eletrobras, afetaria o mercado de ações como um todo e os acionistas da Petrobras, do Banco do Brasil e de todas as outras empresas de concessão que estão submetidas a um desejo do governo de rasgar um contrato”, afirmou.
Para Landau, as críticas do presidente servem para falar com seu eleitorado mais duro, mas que não devem se tornar ações efetivas. Contudo, a especialista lembra que esse tipo de declaração se assemelha às feitas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) à Petrobras e sua política de preços, o que serve apenas para prejudicar o desempenho das ações da empresa.
Em 27 de março, o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, afirmou durante participação em um evento, que não vê condições para que o Supremo Tribunal Federal (STF) discuta a reestatização da Eletrobras.
Dantas afirmou que o debate é válido e faz parte da alternância de poder. “Como é que alguém que tem 40% do capital só pode exercer 10% dos direitos políticos? Agora, isso foi uma escolha. No momento em que foi feito estava absolutamente ao amparo da lei e não veio nenhuma lei posterior que mudasse o que foi feito”, ressaltou.
No mesmo evento, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou que considera o processo de privatização consolidado e que agora cabe ao governo cobrar a elétrica a cumprir suas obrigações como uma empresa privatizada.
Silveira afirmou que, em sua opinião, o processo de privatização foi injusto com o país, mas é válido, uma vez que foi aprovado pelo Congresso Nacional.
No começo de abril, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também se manifestou sobre o tema e deu a sinalização ao governo de que a reestatização da Eletrobras tem chance zero de aprovação pelos deputados.
Capitalização
O processo de capitalização da Eletrobras passou por diversos imbróglios judiciais durante os pouco mais de dois anos de tramitação. O primeiro atraso no processo acontece em 2021, e foi gerada pela demora na análise de documentos por parte do Tribunal de Contas da União (TCU). Porém, meses depois, o órgão aprovou o modelo de capitalização.
Já quando o processo estava quase concluído, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) suspendeu a realização da Assembleia Geral de Debenturistas de Furnas, essencial para permitir a capitalização da Eletrobras, após um pedido de limitar costurado pela Associação Brasileira de Investidores (Abradin). A entidade alegou que os investidores, que já investiam na companhia, seriam “gravemente prejudicados”.
O então governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), no entanto, derrubou a liminar que atrasava a capitalização da empresa, após o presidente do TJ-RJ, desembargador Henrique Carlos de Andrade Figueiredo, conceder parecer favorável ao andamento da capitalização.
O processo de capitalização da Eletrobras foi iniciado em 2021, e passou alguns meses parado enquanto aguardava a aprovação pelo Tribunal de Contas da União (TCU). O órgão aprovou tanto o modelo da capitalização quanto as estimativas de movimentação total com a operação, na casa dos R$ 67 bilhões.
Desse total, R$ 25,3 bilhões foram em outorgas pagas ao Tesouro Nacional pelo direito do uso das usinas hidrelétricas da Eletrobras. Outros R$ 32 bilhões foram para a Conta de Desenvolvimento Energética (CDE), com o objetivo de aliviar as contas de luz neste ano.
A Eletrobras
A Eletrobras tem perto de 51 gigawatts (GW) em capacidade instalada de geração — equivalente a 29% do parque gerador do Brasil — e mais de 70 mil km de linhas de transmissão, ou 43,1% da rede nacional.
Um dos propósitos da capitalização era fazer com que a companhia tivesse condições de aumentar seu nível de investimentos e se tornar mais competitiva no mercado.