Partido do mais longevo premiê do país lidera pesquisas, mas processo na Justiça e chance de lei ficha limpa são obstáculos
F SAO PAULO – A coalizão que governa Israel começou a ruir nestes últimos dias. Pelas rachaduras abertas, já é possível ver o sorriso do ex-premiê Binyamin Netanyahu, 72, que agora tem a oportunidade de voltar ao poder.
Ninguém pensava que o governo fosse durar. Essa aliança tinha sido travada em 2021 como um inusitado pacto entre partidos rivais de ideologias opostas para retirar Netanyahu do cargo após um recorde de 12 anos. Mas a expectativa era a de que a coalizão ao menos resistisse até o ex-premiê, investigado por corrupção, sumir do cenário político. Ledo engano. Netanyahu persiste —a despeito de tudo e de todos.
A pergunta que agora ricocheteia dentro e fora de Israel é se ele vai mesmo voltar a habitar a residência do premiê, em Jerusalém. É cedo demais para responder, porque seu retorno depende de eleições ainda não agendadas e de negociações partidárias imprevisíveis. O que está claro, no meio-tempo, é que Netanyahu é uma das figuras mais resilientes —ainda que muitas vezes detestadas— da política moderna israelense.
A coalizão hoje no poder, em franco esfarelamento, foi formada depois de os israelenses terem ido às urnas quatro vezes em menos de dois anos. O pleito foi repetido em tantas doses porque nenhum partido tinha a maioria dos assentos no Knesset, o Parlamento de Israel, nem conseguia formar uma aliança.
O cenário mudou com a eleição de março de 2021, a mais recente. Para impedir que Netanyahu permanecesse no poder ou devolvesse o país às urnas, um grupo eclético e contraditório de partidos chegou a um pacto de governo. A coalizão era liderada por Naftali Bennett, da direita nacionalista, e Yair Lapid, um liberal do centro —e contava, também, com siglas de esquerda e a Lista Árabe Unida. Bennett foi premiê neste primeiro ano, e Lapid deve assumir o governo temporário até a eleição.
O problema, afirma Yonatan Freeman, especialista em relações internacionais no departamento de ciências políticas da Universidade Hebraica de Jerusalém, era que “a coalizão deles não era bem uma coalizão”. “Em geral, as coalizões são formadas em torno de algum tipo de ideia, de ideologia ou de política. Mas a cola que mantinha esses partidos juntos era não querer Netanyahu como primeiro-ministro de Israel. Não era sobre quem eles eram, e sim sobre quem eles não eram.”
O ódio ao ex-premiê não foi o bastante. Desde a formação da coalizão, em junho do ano passado, uma série de atritos erodiu os seus alicerces. O pacto ruiu de vez agora porque os seus membros foram incapazes de chegar a um acordo para renovar a controversa medida que estende a lei israelense para os colonos que vivem na Cisjordânia, um território sob ocupação militar desde 1967.
O premiê Bennett, pró-assentamentos, decidiu dissolver a coalizão. Assim, a medida deve ser automaticamente renovada, e o primeiro-ministro escapará da polêmica em torno dessa questão.
O Parlamento ainda precisa aprovar a convocação de eleições. É possível, apesar de improvável, que a coalizão consiga se salvar. Se houver pleito, deverá ser em outubro.
O possível retorno às urnas é uma vitória inequívoca de Netanyahu, tanto que ele não deixou de comemorá-la em público. Celebrou o fim do “pior governo da história” e deu a entender que voltará. Pesquisas publicadas durante a semana indicaram a liderança da sua sigla, o Likud, o que não quer dizer, porém, que ele já pode contar com o cargo.
“Podemos ter a entrada de políticos que ainda não estão no jogo, e mesmo de pessoas com quem a gente nem contava”, afirma Freeman, sobre o sistema eleitoral de Israel, de alta rotatividade. Lapid, um dos líderes da coalizão que agora se desmancha, abandonou o jornalismo e entrou na política há apenas dez anos. Além disso, Netanyahu responde a sérias acusações de corrupção, que podem tirá-lo de cena. Políticos —inclusive seus antigos aliados— querem aprovar uma espécie de lei da ficha limpa.
Isso sem contar que Netanyahu muito provavelmente não conquistaria mais da metade dos assentos necessários para governar e, por isso, precisaria se aliar com diversos outros partidos. As pesquisas indicam que o Likud receberia cerca de 35 dos 120 assentos do Parlamento israelense. Para somar 61, ele teria que buscar o apoio de outras forças de direita. Só que diversas delas rejeitam seu nome, caso de Gideon Saar, do Nova Esperança, e Avigdor Lieberman, do Yisrael Beitenu.
Uma das explicações para a resiliência de Netanyahu, afirma Freeman, é que Israel enfrenta hoje um tanto de questões existenciais, entre as quais a situação dos palestinos, a ameaça do Irã, a Guerra da Ucrânia, a crise econômica e a Covid. “A população quer alguém com experiência no cargo”, diz, não novatos.
Como Netanyahu esteve no poder por 12 anos consecutivos, ninguém mais conseguiu treinar. Ademais, os eleitores se impressionam com as credenciais internacionais do ex-premiê, para quem líderes de todo o mundo até hoje telefonam.
A longa durabilidade, por outro lado, ajuda a entender também a enorme rejeição que ele tem no país —isso sem contar seu discurso divisivo e violento em relação aos árabes, que formam ao menos um quinto da população do país. “Netanyahu acabou virando o líder padrão de Israel. Há figuras dentro do Likud esperando há anos chegar a sua vez. Mas ela nunca chega.”