Tribunal restringiu o acesso a informações detalhadas dos bens de candidatos na plataforma DivulgaCand. Especialistas apontam retrocesso
Metrópoles – Na última semana de julho, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) liberou o DivulgaCand, sistema que torna públicas as informações sobre as candidaturas às eleições deste ano. Os eleitores têm dados de rendimento e bens, mas faltam detalhes.
Por exemplo, o candidato pode afirmar que é presidente de uma empresa, mas não precisa falar qual é. Ou o carro do postulante custa R$ 100 mil, mas não se sabe se é um Fusca ou uma Ferrari. Já houve publicação de dados dos concorrentes à Presidência, por exemplo, mas sem informações tão precisas. Antes, constavam na prestação de contas.
A supressão do campo que detalha os bem de candidatos despertou a indignação de setores da sociedade civil que utilizam a ferramenta para monitorar o processo democrático. O receio é que essa falta de detalhamento abra margem para ocultação de bens, por exemplo.
Nos dias 2 e 3 de junho, a Justiça Eleitoral dialogou com organizações durante audiência pública sobre o tema. Na ocasião, as contribuições mostraram que não era necessário restringir o acesso às informações disponibilizadas, e sim aprimorá-las com o desenvolvimento de diferentes camadas de acesso, por exemplo, ou definição do ciclo de vida dos dados.
O Metrópoles teve acesso com exclusividade ao relatório com as contribuições apresentadas pela Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa e pelo InternetLab ao TSE.
“As organizações da sociedade civil [que participaram da audiência pública] garantiram medidas concretas e viáveis. Essa ocultação [dos bens dos candidatos no DivulgaCand] pegou a gente de surpresa porque parecia haver um diálogo prévio”, explica Pedro Saliba, pesquisador da Data Privacy.
Sem ferir a LGPD
A pesquisa feita pelas organizações responde aos questionamentos do tribunal sobre possíveis necessidades de ajuste aos dados divulgados na plataforma. Esclarece que a divulgação dos bens dos candidatos não fere a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
“Ainda, a LGPD expressamente autoriza o tratamento de dados com base não apenas no consentimento do titular, mas, também, a partir de outras bases legais”, inicia o documento.
“Para a consulta em questão, vale destacar a base legal referente ao cumprimento de obrigação legal-regulatória (art. 7º, II, e art. 11, II, alínea “a”), que abarca justamente o caso do TSE tornar público os dados pessoais de candidatos, doadores e outros atores relevantes no pleito eleitoral”, continua o texto.
Os pesquisadores afirmam, então, que o tratamento de dados da forma como é feito atualmente “está devidamente amparado por uma base legal válida e o seu acesso público está justificado por uma finalidade legítima e de interesse público.”
“[Restringir a declaração de bens] é uma interpretação equivocada da LGPD por observar simplesmente um viés da privacidade. Não podemos simplesmente achar que fazer adequação é restringir o acesso. Quando falamos em uma candidatura para cargos representativos, é algo que já exige uma certa exposição de dados”, ressalta Pedro.
Clarice Tavares, coordenadora de pesquisa na área de Desigualdades e Identidades do InternetLab, esclarece que há uma falsa contradição posta entre a proteção de dados e a transparência.
“Não existe essa contradição. Isso é uma salvaguarda do estado democrático de direito. Precisamos pensar caminhos para não afastar a privacidade e proteção de dados”, garante.
TSE já protege privacidade dos candidatos
Ocultar detalhes sobre patrimônios é visto como retrocesso pelos especialistas, uma vez que a resolução nº 23.609 do TSE já pede que o preenchimento seja simplificado. Ou seja, não é necessário inserir informações que comprometem a privacidade das pessoas, como placas de carro ou endereços de imóveis.
Na audiência pública, então, os participantes não identificaram riscos que justificassem alguma ocultação. “O candidato ou candidata é titular de seus dados, ele pode ajuizar ação, caso seja necessário em casos individuais, casos em que houve exposição demasiada, como qualquer pessoa pode fazer”, tranquiliza Clarice.
“Recomenda-se que a eliminação somente ocorra a partir de casos concretos em que haja risco real, em vez de um risco abstrato, em que o candidato exerça seu direito de titular, a partir das demandas específicas para a sua segurança”, indica o relatório.
Em uma tentativa de reverter o entendimento da corte, uma carta aberta foi enviada pelas instituições para representantes do TSE como os ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes, presidente e vice, e a juíza Larissa Almeida Nascimento, ouvidora.
“Já existe uma limitação a priori à disponibilização de dados relativos à vida privada no campo cujo conteúdo está suprimido. Diante do exposto, solicitamos a Vossas Excelências a retomada imediata da divulgação completa das informações de declaração de bens dos(as) candidatos(as), em consonância com o direito constitucional de acesso a informações públicas e com a tradição do Tribunal Superior Eleitoral enquanto órgão aberto e transparente”, pede a carta.