Mandado de busca foi cumprido dois meses após reunião não reportada em junho entre investigadores do Departamento de Justiça e advogados do ex-presidente dos EUA
CNN – O mandado de busca que o FBI cumpriu na residência do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na Flórida, na segunda-feira (8), sinalizou uma escalada extraordinária de uma investigação sobre o manuseio de certos documentos de sua presidência e levanta questões sobre se a exposição legal dele se estende para além de ele pegar documentos do governo indevidamente quando deixou a Casa Branca.
O que exatamente o FBI estava procurando e por que ainda é desconhecido. Mas, para obter um mandado de busca, os investigadores teriam que mostrar a um juiz que havia uma causa provável de um crime e que a evidência desse crime estava localizada em Mar-a-Lago, o resort de Trump em Palm Beach.
Aqui está o que é preciso saber sobre o significado legal da busca, que ocorre quando Trump está preparando uma potencial corrida presidencial em 2024, e o que pode vir a seguir:
O que teria sido necessário para que o Departamento de Justiça obtivesse o mandado de busca?
Para obter autorização judicial para a busca, os investigadores teriam que apresentar a um juiz uma declaração detalhada que estabelecesse que existe causa provável para acreditar que um crime foi cometido e que essa evidência existe nos últimos dias na propriedade onde a busca está sendo cumprida.
O mandado de busca teria sido arquivado sob sigilo, o que significa que seus detalhes não estão disponíveis publicamente no momento (embora possam se tornar públicos no futuro). O tribunal federal de West Palm Beach lista apenas um pedido de mandado de busca sob sigilo desde junho que ainda não foi fechado até sexta-feira (5), de acordo com o registro público de casos do tribunal.
Mas antes que os promotores chegassem ao ponto de pedir a um magistrado que aprovasse o mandado, para avançar com uma busca de tamanha importância histórica e política, os investigadores teriam que obter aprovação dos mais altos níveis do Departamento de Justiça, segundo especialistas jurídicos disseram à CNN.
Ex-funcionários do Departamento de Justiça disseram à CNN que era provável que, no mínimo, a vice-procuradora-geral, Lisa Monaco, teria que ter dado sinal verde e que o procurador-geral, Merrick Garland, e/ou o diretor do FBI, Chris Wray, também pudessem ter sido consultados.
“Não apenas os investigadores teriam que sugerir isso, não apenas um promotor teria que concordar com isso, mas vários níveis de gerenciamento teriam que aprová-lo – até chegar ao procurador-geral”, Daren Firestone, um ex-advogado do Departamento de Justiça, disse à CNN.
O Departamento de Justiça se recusou a comentar.
O que isso significa para a exposição legal de Trump?
Tomar a medida extraordinária de executar um mandado de busca na casa de um ex-presidente sugere que os investigadores estão analisando mais do que os Arquivos Nacionais haviam recuperado anteriormente de Mar-a-Lago, de acordo com especialistas legais.
Em janeiro, os Arquivos Nacionais recuperaram 15 caixas de registros de Mar-a-Lago, incluindo materiais que haviam sido identificados como confidenciais, mas a atividade em relação a essas caixas está silenciosa desde então.
“Eu realmente não acredito que o departamento teria dado um passo tão significativo quanto um mandado de busca na residência do presidente sobre informações que eles já tinham”, disse Andrew McCabe, ex-vice-diretor do FBI e colaborador da CNN. “Tinha que haver uma suspeita, uma preocupação e, de fato, informações específicas que os levaram a acreditar que havia materiais adicionais que não foram entregues.”
Antes das notícias da busca de segunda-feira, uma lei conhecida como Presidential Records Act (Lei de Registros Presidenciais, na tradução livre) estava na vanguarda da especulação pública sobre o perigo legal de Trump, já que outras medidas investigativas foram tomadas relacionadas ao manuseio de documentos da Casa Branca na época do governo de Trump.
Essa lei – aprovada após Watergate para deixar claro que certos registros de uma presidência pertencem ao público e não ao ex-titular do cargo – não é uma lei criminal e tem sido vista como uma lei relativamente inútil.
Um mandado de busca e a presença do FBI significam uma investigação criminal. Existem outros estatutos de retenção de registros que trazem consigo penalidades criminais – como a Lei de Espionagem – mas neste momento não está claro quais estatutos criminais foram implicados na investigação do Departamento de Justiça.
É um crime destruir ou remover registros federais, ou manipular documentos confidenciais. Existem outras leis federais que visam impedir a adulteração de informações durante uma investigação.
No início deste ano, o Departamento de Justiça emitiu intimações para materiais presidenciais, incluindo documentos confidenciais que os Arquivos Nacionais haviam recuperado anteriormente. No início do ano, o FBI também entrevistou assessores de Trump em Mar-a-Lago como parte da investigação, de acordo com uma fonte familiarizada com o assunto.
Para os investigadores escalarem sua investigação com um mandado de busca, “teria que haver algo sério o suficiente que merecesse mais do que uma leve repreensão”, disse Firestone, agora sócio da empresa Levy Firestone Muse, com sede em Washington.
Também é notável que o Departamento de Justiça não tenha seguido o caminho do processo civil contra o ex-presidente pela forma como ele lidou com os documentos em questão.
Na semana passada, o Departamento de Justiça entrou com uma ação civil contra o ex-funcionário de Trump na Casa Branca Peter Navarro, alegando que ele havia violado a Presidential Records Act e buscando uma ordem judicial para obrigá-lo a entregar e-mails de uma conta privada que ele usou enquanto trabalhava na Casa Branca durante o governo Trump.
Por que agora?
A busca foi executada dois meses após a reunião não reportada de 3 de junho entre os investigadores do Departamento de Justiça e os advogados de Trump no resort. Durante a visita, relatada pela CNN na segunda-feira, quatro investigadores, incluindo o chefe da Seção de Contra-inteligência e Controle de Exportação, visitaram um porão onde caixas de materiais estavam sendo armazenados.
Cinco dias depois, os investigadores enviaram aos advogados de Trump uma carta pedindo que eles protegessem ainda mais a sala que armazena os documentos, levando os assessores a colocar um cadeado na porta.
O fato de o FBI executar um mandado de busca dois meses depois indica que as autoridades federais não estavam satisfeitas com o que viram na visita ou que não estavam confiantes na cooperação voluntária que estavam recebendo da equipe de Trump, disseram alguns especialistas jurídicos. É possível que os funcionários federais também precisassem de aprovação oficial para recuperar os registros confidenciais.
“O fato de que o FBI soube que Trump ainda tinha documentos [em Mar-a-Lago] em junho e sentiu a necessidade de voltar dois meses depois com um mandado de busca, indica que a agência tem evidências de que Trump e sua equipe estavam retendo registros confidenciais adicionais e não tomaram nenhuma medida para devolvê-los adequadamente aos Arquivos”, disse Bradley Moss, advogado de segurança nacional.
Também pode ter levado meses para o Departamento de Justiça decidir fazer a busca e como proceder com ela.
Quando o FBI estava saindo de Mar-a-Lago, a equipe de Trump teria recebido um documento semelhante a um recibo do que foi levado. Mas o Departamento de Justiça pode ser tão vago quanto quiser nessa documentação.
De maneira mais ampla, o Departamento de Justiça pode manter grandes partes de sua investigação em segredo. O órgão deixou isso claro em documentos judiciais na noite de segunda-feira durante sua busca por John Eastman, o ex-advogado de Trump que liderou planos para subverter as eleições de 2020.
Nesse processo – onde o Departamento de Justiça estava argumentando contra um pedido de Eastman para que os investigadores de 6 de janeiro devolvessem os dispositivos apreendidos dele no final de junho no Novo México – os promotores disseram que o órgão não tinha a obrigação de compartilhar com Eastman mais detalhes sobre o status de sua busca.
“O governo não tem dúvidas de que o demandante gostaria de ter pleno conhecimento da investigação do governo e a capacidade de engajar [agentes federais] em um debate sobre os fundamentos do mandado”, disse o documento.
“Mas a lei apenas, e adequadamente, exige que um magistrado neutro encontre uma causa provável para procurar e apreender quaisquer dispositivos eletrônicos em sua pessoa; não exige que a pessoa revistada conheça a base do mandado”.
O que acontece a seguir?
Ainda não se sabe o quão desprevenidos os advogados de Trump estavam com as ações do FBI tomadas na segunda-feira e o que a equipe do ex-presidente vem discutindo com o Departamento de Justiça sobre o manuseio dos documentos em interações anteriores com os investigadores.
Trump poderia tomar uma medida legal preventiva para contestar no tribunal a maneira como o FBI lidou com a busca, talvez com o objetivo de descartar qualquer evidência que os investigadores obtiveram ou pelo menos tentar obter mais informações sobre o que eles estão investigando.
Mas sem essa atividade judicial, os próximos passos da investigação poderiam muito bem continuar em segredo.
Trump pode ser impedido de concorrer à presidência se for descoberto que violou a lei de registros?
Outra lei que pode estar implicada pela busca do FBI é a que proíbe a ocultação, remoção ou mutilação deliberada de registros do governo. Essa lei ameaça como punição a desqualificação “de ocupar qualquer cargo nos Estados Unidos”.
No entanto, há dúvidas sobre a constitucionalidade dessa lei e sua aplicabilidade a uma corrida presidencial de Trump, se ele for condenado por ela.
Como a Constituição estabelece qualificações específicas para cargos presidenciais – e estabelece um processo de impeachment separado para desqualificar presidentes de ocupar cargos no futuro – alguns argumentam que o Congresso não teria autoridade para promulgar tal lei que se aplicasse a um candidato presidencial.